quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Cuidado com a versão oficial e também com a do YouTube



Para mim, é fácil torcer quando vejo o choque de imagens nos conflitos na Síria, país que parece caminhar para uma guerra civil em larga escala. Como em outras insurreições na primavera árabe (insurreição é um termo mais preciso do que revolução), o YouTube é um instrumento da resistência e de denúncias. É comum vermos manifestações, correrias, gente levando surra, cenas de brutalidade policialesca, poças de sangue e mortos.

As imagens oficialescas, transmitidas pela ditadura Assad, são mais arregimentadas, ordeiras e fajutas, especialmente os aplausos incessantes para o discurso do ditador. Claro que nem de longe se compara ao espetáculo robotizado norte-coreano, mas ainda assim muito desagradável, uma impostura. Fácil torcer, não?


É verdade que quando vemos estas imagens da brava gente protestando e morrendo na nossa telinha de televisão, vem a advertência da BBC ou da CNN (ok, ok, não sou muito chegado na FoxNews), que não é possível verificar a autenticidade, mas o amadorismo e a tensão das imagens colhidas muitas vezes por celulares e postadas no YouTube parecem autênticas. A tendência é ficar do lado de quem apanha e não de quem bate palmas para o ditador.


Qualquer ditadura faz sua propaganda e evidentemente os que resistem também. Sabemos disso (sobre os resistentes), mas queremos ser embalados (enganados?), esperando o melhor destas insurreições. Também não temos outras alternativas em muitas circunstâncias, a não ser se deixar conduzir pela narrativa da resistência. Estas ditaduras permitem a presença de jornalistas profissionais no país desde que sejam escoltados pelos “little brothers”, os guias oficiais, conhecidos em inglês como “minders”.


Na Líbia, durante a insurreição contra Muamar Kadafi, havia o espetáculo incongruente e mesmo bisonho da venda da narrativa oficial. Estes relatos dos porta-vozes oficiais provocavam até risadas dos repórteres. Ativistas de uma causa fazem o que podem para vender sua versão dos fatos com mais credibilidade do que os papagaios do poder ditatorial. Em cenários como o da Síria não é tão difícil assim. Temos esta cantilena governista que a confusão foi engendrada por terroristas e gangues armadas a serviço de forças internacionais.


Podemos até aceitar que as imagens do YouTube tenham um papel útil para desmascarar a cantilena oficial, mas chegou a hora aqui de ecoar a advertência de um veterano jornalista das paragens do Oriente Médio, Patrick Cockburn, que hoje escreve no jornal bitânico The Independent. Ele adverte que a imprensa internacional tem estado basicamente muda e não confessa como é fácil manipular estas imagens de resistência.


Mesmo antes da era YouTube, aparecia um fotógrafo da AP ou da Reuters e um punhado de seguidores de qualquer causa armava um protesto. A Internet acelerou e ampliou as possibilidades de informação, desinformação e propaganda. Basta dizer que filmada de um determinado ângulo, uma pequena manifestação pode parecer uma congregação de dezenas de milhares de pessoas. A advertência de Cockburn é que a oposição na Síria precisa dar a impressão de que a insuerreição está mais próxima do sucesso do que efetivamente está acontecendo. Na observação de Cockburn, o propósito de manipular a cobertura de imprensa é persuadir o Ocidente e países árabes que as condições na Síria se aproximam do ponto que levaram à bem-sucedida intervenção na Líbia.


Patrick Cockburn é cândido para fazer suas advertências. Como poucos, ele sabe que movimentos de resistência se engajam em propaganda. Seu pai era o jornalista comunista Claud Cockburn, alvo de justificável desprezo pelo valoroso George Orwell por seu distorcido trabalho de reportagem a serviço do partido (o PC britânico e também a chefia suprema em Moscou).


Entre as missões nada edificantes, Cockburn cobriu a guerra civil espanhola nos anos 30, onde também serviu como soldado das tropas republicanas. O filho agora conta que o pai canalha fabricou uma revolta em Tetouan, no Marrocos espanhol, contra partidários franquistas para levantar o moral da resistência. Anos mais tarde, Claud Cockburn ficou perplexo quando foi virulentamente criticado. Para ele, não se tratava de desinformação, mas de um eficiente golpe de propaganda.

Franco era horrível e sinistro (e do outro lado na guerra civil espanhola ocorreram igualmente coisas pavorosas). Bashar Assad, também. O acúmulo de imagens no YouTube e de relatos desesperados de civis aos monitores da Liga Árabe confirma uma insurreição em marcha e o barbarismo do regime sírio. Apesar das evidências, não podemos torcer cegamente pelo outro lado, pois ele também distorce as coisas em nome da causa, embora ainda não na escala do regime Assad.


Materia de Caio Blinder

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