quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Juiz errou 10 vezes ao autorizar a adoção de cinco crianças na Bahia


A ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário

A ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário
O juiz que autorizou que cinco crianças de uma mesma família de lavradores do interior baiano fossem retiradas do convívio com os pais e entregues para adoção a quatro casais de São Paulo contrariou ao menos dez aspectos das leis que protegem os direitos das crianças e adolescentes, informou nesta quinta-feira (18/10) a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
De acordo com a secretaria, além do tempo recorde em que todo o processo foi concluído, as crianças não chegaram a ser inscritas nos cadastros estadual ou nacional de adoção. Além disso, ao autorizar que as crianças fossem entregues às famílias paulistas, o ex-juiz da Comarca de Monte Santo (BA), Vitor Xavier Bizerra, não teria respeitado a ordem de inscrição, nestes mesmos cadastros, das famílias interessadas em adotar um filho.
A secretaria ainda está apurando se as quatro famílias constam das relações de interessados na adoção de crianças.
Em uma nota técnica, a Secretaria de Direitos Humanos lembra que, além de estabelecer que o fato de uma família ser pobre não justifica a perda da guarda, a legislação brasileira determina que, em casos extremos, todos os recursos possíveis para garantir a manutenção das crianças junto de suas famílias devem ser esgotados antes que a retirada da guarda seja autorizada.
Mesmo quando a perda ou a suspensão do poder familiar é necessária, a adoção depende do consentimento dos pais ou representante legal e a própria criança com mais de 12 anos tem que ser consultada.
No caso de Monte Santo, o juiz não só não ouviu os pais, como não consultou nenhum outro parente das crianças, impossibilitando com isso que elas permanecessem junto a sua família natural, conforme a lei. O Ministério Público também não foi ouvido durante o processo.
"Os indícios indicam que houve uma série de ilegalidades ou, pelo menos, de desconformidades com o que o Estatuto da Criança e do Adolescente [ECA] estabelece. Os detalhes ainda estão sendo investigados, mas já é possível, sim, afirmar que houve violações ao estatuto", adiantou o promotor de Justiça da Bahia Carlos Martheo Guanaes Gomes, membro auxiliar do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
Ao autorizar a adoção por quatro diferentes famílias, Bizerra também violou o artigo do ECA que veda a separação de irmãos por serem os vínculos entre grupos de irmãos protegidos por lei.
“Estas crianças foram privadas de crescer e viver com seus irmãos, o que é muito grave e fere a legislação brasileira”, declarou a ministra de Direitos Humanos, Maria do Rosário, após participar, esta manhã, em Brasília, da primeira reunião do comitê que reúne representantes de vários órgãos públicos com o objetivo de desenvolver e acompanhar as ações práticas para garantir do cumprimento dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes.
O juiz, que não tem concedido entrevistas sobre o caso, chegou a afirmar ter se baseado em um parecer técnico de uma assistente social que teria alegado que os pais das crianças eram negligentes, deixando de encaminhá-las à escola. De acordo com a secretaria, os conselheiros tutelares do município já informaram não ter encontrado nenhuma irregularidade ao visitar a família.
Por determinação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a Corregedoria do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) está investigando se o juiz cometeu alguma irregularidade. De acordo com o promotor Guanaes Gomes, o Ministério Público também já abriu um procedimento criminal para apurar os fatos e eventuais responsáveis. Diante da suspeita de irregularidades, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Tráfico de Pessoas, da Câmara dos Deputados, decidiu que irá convocar os envolvidos, entre eles os casais que fizeram a adoção, e apurar o caso.  
Tráfico de crianças
A ministra da Secretaria de Direitos Humanos,Maria do Rosário sugeriu que o caso pode indicar a existência de um esquema de tráfico de crianças.
“O caso desvela a existência de uma rede organizada, de uma quadrilha que pode estar vendendo as crianças. Por isso precisamos atuar de forma muito rigorosa”, disse a ministra, revelando que há tempos o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já vinha analisando o caso de Monte Santo (BA), com o acompanhamento de autoridades federais.
Embora tenha evitado prejulgar a decisão do então juiz da comarca de Monte Santo, Vitor Xavier Bizerra (que chegou a dizer que tomou a decisão com base em um parecer técnico de uma assistente social de que os pais das crianças eram negligentes), a ministra questionou o modo e a rapidez com que as crianças foram retiradas da casa dos pais, separadas, entregues a quatro casais de São Paulo e levadas para outro estado sem que os parentes e o Ministério Público fossem ouvidos.
“Essas crianças foram retiradas de casa em tempo recorde. Em dois dias já haviam saído de seu estado de origem e viajado para outro estado. Isso demonstra não apenas um ato de má-fé, mas um ato, talvez, criminoso, envolvendo dinheiro e recursos, o que deve ser apurado nas investigações [em curso]”, disse a ministra, acrescentando que, se ficar comprovada a intenção criminosa, os responsáveis serão responsabilizados de acordo com a lei.
Segundo Maria do Rosário, as famílias que receberam as crianças também deverão ser ouvidas já que “no afã” podem ter “adotado procedimentos inadequados”, procurando “outros caminhos que não o sistema estabelecido”.
De acordo com a ministra, após serem retiradas de casa, as crianças não chegaram a ser inscritas nos cadastros estadual ou nacional de adoção. O juiz, por sua vez, ao autorizar que as crianças fossem entregues às famílias paulistas, não respeitou a ordem de inscrição, dos cadastros, das famílias interessadas em adotar um filho. A secretaria ainda está apurando inclusive se as quatro famílias constam das relações de interessados na adoção de crianças.
“Devemos analisar tudo, estarmos atentos para que todas as famílias que buscam adotar uma criança tenham uma resposta em tempo razoável, mas não sejam levadas a adotar procedimentos inadequados”, concluiu a ministra.
Senado vai investigar
A denúncia da adoção das crianças baianas será tema de audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH).
O requerimento de debate foi apresentado pelo senador Paulo Paim (PT-RS) e aprovado pela comissão nesta quinta-feira (18).( Tribuna  da Bahia )

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