O baiano de Porto Seguro, Alexandre de Souza Silva, 44 anos, foi condenado a 11 de prisão na Inglaterra por tráfico de drogas. Segundo a família, ele vive há 20 anos na Europa e a sentença não se baseou em nenhuma prova conclusiva, apenas evidências.
A irmã de Alexandre, a professora Sonália Souza Silva, de 54 anos, declarou ao jornal Tribuna, primeiro a divulgar a notícia, que o fato de ele ser brasileiro e homossexual assumido resultou na prisão.
“Trabalhou como faxineiro, garçom, se ocupou de cães, pessoas doentes, ajudou a salvar vidas quando de uma nevasca terrível em 2003 em Londres, onde está o bandido?” questionou.
“Na Corte inglesa, muitas pessoas importantes prestaram depoimentos a favor do meu irmão. O Itamaraty acompanha o caso há mais de um ano e a senadora Lídice da Mata entrou no caso com muita coragem”, revelou a irmã do acusado.
Em julho de 2009, Alexandre de Souza Filho se mudou para a casa do amigo Júlio César dos Santos. Dez dias depois, a casa foi vasculhada pela polícia, que encontrou no local 27 gramas de uma droga conhecida como “Madonna”. O amigo confessou ser usuário e está preso. Com isso, a vida de Alexandre foi totalmente investigada, mas nada foi encontrado que pudesse justificar seu envolvimento com tráfico.
Além de trabalhar em Londres como faxineiro, garçom, foi vendedor com credencial para atendimento à princesa Diana e à família dela, chegando também a comissário aéreo da British Airways, uma das empresas aéreas. O poliglota Alexandre poderia ser considerado um exemplo de latino-americano bem sucedido na Europa, tendo obtido cidadania inglesa e adquirido uma casa em Londres, paga em suaves prestações, com seus salários merecidamente recebidos em troca de trabalho digno.
Com a mesma dedicação da mãe, de quem recebeu vários exemplos de trabalho social voluntário, mesmo doente, junto a adultos e crianças carentes no Brasil, Alexandre chegou a salvar vidas em tragédias inglesas como a tempestade de neve que ocorreu no metrô londrino em 30 de janeiro de 2003, carregando nos braços diversas pessoas que não conseguiam andar.
A família do baiano de Porto Seguro pediu auxílio à senadora Lídice da Mata (PSB) para atuar junto ao Ministério das Relações Exteriores (MRE) em defesa do brasileiro condenado a 10 anos de prisão no Reino Unido. Alexandre de Souza Silva vive em Londres há 20 anos e foi preso em março de 2010 por tráfico de drogas.
Mas, segundo informações, o motivo da prisão foi mudado para “conspiração contra ingleses” e os familiares não sabem o motivo da nova acusação. De acordo com a senadora, no caso da relação com o comércio de entorpecentes, ficou provado que as drogas apreendidas pertenceriam a um colega de apartamento.
A família acredita que o baiano, que trabalha e tem residência fixa na capital britânica, é vítima de preconceito de origem, por ser brasileiro. Esta Tribuna publica a entrevista de Alexandre de Souza Silva, concedida na prisão ao Jornal Lero, de circulação londrina. Preso desde março de 2010 em Londres, acusado de conspiração, teve a pena reduzida de 15 para 11 anos. A decisão foi tomada em audiência para revisão de pena ocorrida no dia 20 de janeiro, na Corte inglesa.
Pergunta - Conte, resumidamente, o que aconteceu no dia em que a polícia deu a batida na sua casa.
Alexandre Silva – Eu estava na rua quando recebi uma mensagem, no meu celular, do advogado de imigração do meu amigo com que eu dividia a casa, pois ele também é brasileiro. A mensagem dizia que havia polícia na casa procurando por ele. Resolvi retornar para falar com os policiais e ver o que estava acontecendo. Quando entrei, fui recebido na porta por um deles. Estendi a mão para cumprimentá-lo e ele me olhou de forma estranha. Me conduziu até a sala, me pôs sentado e me algemou alegando que havia drogas na casa. Chocado, eu me identifiquei e falei que estava morando lá fazia apenas 2 semanas. Me levaram pela casa, me revistaram, me fizeram acusações. Fui chamado de drogado. Falei que não usava drogas, e ele (o que se identificou como chefe da investigação) disse que então eu era traficante. Respondi que não era verdade, expliquei que recentemente havia me mudado para lá porque justamente aluguei o meu apartamento para economizar porque eu tinha dívidas a pagar. Teve um momento que ele me fez outra pergunta e quando eu comecei a falar ele me interrompeu de forma agressiva e, rangendo os dentes, me pediu para que eu repetisse o que havia dito porque ele não entendia o meu sotaque.
Outro oficial chegou na sala e o “chefe” perguntou a ele se já havia terminado a revista na casa. O oficial respondeu que faltava a sala onde eu estava. Eu estava sentado em uma cadeira, algemado, de frente para a porta. Atrás de mim, à minha direita, havia um baú que me pertencia e, à minha esquerda, um pequeno embrulho que pareceu ser papel higiênico ou lenço de papel. Mas não pensei nada a respeito porque a casa estava bagunçada, com coisas espalhadas pelo chão. O oficial entrou, examinou o móvel, depois examinou o fichário, me fazendo perguntas enquanto andava. Apontou para o baú e perguntou o que era. Respondi que era meu, falei que tinha papéis e fitas cassete e de vídeo antigas que eu trouxe de minha casa na mudança, mas ainda não havia tido tempo de organizar porque eu viajava e só tinha passado quatro noites na casa.
Ele abriu, começou a mexer, a tirar os papéis, e colocou no chão atrás de mim. De repente ele pegou o pequeno pacote e gritou para os outros: “Olhe o que eu achei”. O chefe lhe perguntou onde ele havia encontrado. Eu tentei olhar, mas ele não permitiu e respondeu ao chefe que havia encontrado dentro do meu baú. Eu fiquei louco: “Você encontrou aonde? Por que está dizendo isso? Eu vi você pegando do chão, fale a verdade!”
O chefe falou: “Nós somos a Polícia britânica, nós não plantamos evidência”. Eu respondi: “Não ponha palavras na minha boca. Eu não falei que alguém plantou algo. Eu disse que ele não achou isso dentro do meu baú, e sim no chão”. Na hora eu pensei: “Alexandre, cale a sua boca, não fale mais nada, você está lidando com policiais corruptos que estão determinados a lhe implicar”. Depois disso fui para a delegacia.
P- Passados quase dois anos do fato, como você avalia a ação policial? Foi correta? E a Justiça britânica?
AS – Até esse acontecimento, eu devo admitir que não sabia nada de lei criminal ou de ação policial. Hoje eu sei que a prática deles foi incorreta. Primeiro, eles não deveriam ter entrado na casa sem a presença dos proprietários. Segundo, deveriam ter levado cão farejador e a busca tinha de ser filmada. Em terceiro, eles tinham que ter me tratado com mais respeito e sem comentários racistas em relação ao meu sotaque brasileiros. Em quarto lugar, tudo o que ocorreu na busca, todas as perguntas, respostas e comentários tinham que ser catalogados.
Durante o caso na Corte, os oficiais que estavam na casa (no dia da batida policial) perderam todas as anotações. Até o que disse que achou a droga dentro do baú admitiu que tinha anotado tudo, mas que também havia perdido as anotações. Eu tinha uma agenda, porque eu gosto de ser muito organizado, com todas as minhas contas, meu salário, gastos, coisas que comprei em minhas viagens para mim ou para outras pessoas, quanto dinheiro eu recebi, etc. A polícia deu sumiço nessa agenda. Nunca mais a encontrei. Ela estava na casa com meus papéis. Quando eles deram depoimento dizendo que perderam todas as anotações, eu achei um absurdo o juiz permitir esse fato. Eles também disseram que nunca viram a minha agenda.
Quanto à Justiça, a daqui só cobre Inglaterra e País de Gales. A da Escócia e da Irlanda do Norte é diferente. A Justiça tem legislações muito antiquadas que não refletem a realidade atual do país.
P- Com relação ao seu envolvimento no caso, você acha que estava no lugar errado, na hora errada; que foi má-fé da polícia e da Justiça britânicas ou foi uma sucessão de erros?
AS – Sim, eu realmente estava no lugar errado na hora errada. Foi também uma combinação de eventos. Outro procedimento que não mencionei anteriormente foi o fato de que na casa a polícia deveria ter me mostrado as drogas, e eu deveria ter assinado por elas. Eu nunca vi nenhuma droga. Claro que também (existiu) muita manipulação por parte da polícia. Acredito também que houve erros pela minha inexperiência e da minha defesa, pelo fato de a polícia estar escondendo evidência que serviria para a minha defesa.
P – Como você pretende provar a sua inocência? Acha que isso ainda é possível na Justiça britânica?
AS – Acredito que com um bom e dedicado advogado eu conseguirei sim. A única barreira é conseguir um apelo. A lei aqui é montada de um jeito que se torna quase impossível apelar. Eu decidi fazer, num futuro bem próximo, uma pressão através da mídia. É por isso que o apoio de veículos de comunicação de massa como os jornais, a internet e a televisão será muito importante.
P – Como você está sendo tratado na detenção?
AS – No estabelecimento em que me encontro hoje sou bem tratado. Eu trabalho aqui no Departamento de Educação como auxiliar da professora de inglês. Tenho muitos privilégios, muitos dos oficiais e superiores me conhecem e me tratam muitíssimo bem. Alguns deles fazem comentários do tipo “O que uma pessoa como você está fazendo num lugar desses?” ou “Você é definitivamente mais um caso de falha da justiça!”. Eu tenho uma cela única com TV, banheiro com chuveiro e um telefone só para fazer ligação para fora. Eu não recebo ligações. Eu coloco crédito e ligo somente para telefones autorizados.
P – Qual é a sua rotina diária? O que costuma fazer para passar o tempo?
AS – Como citei antes, eu trabalho aqui em período integral. Saio às 8h15min, volto para almoçar ao meio-dia, retorno ao trabalho às 13h15min e termino às 17h. Eu leio muito, recebo jornais, revistas e sempre vejo noticiários, documentários na TV, escrevo muito, anoto o que ocorre e como foi meu dia, faço ginástica, pois aqui tem academia. Eu também socializo com os oficiais com quem me dou bem e, ao contrário do que muitas pessoas julgam, na prisão existem todos os tipo de indivíduos. Aqui também têm pessoas com quem me dou bem.
Aos sábados tem missa católica e aos domingos tem culto da igreja anglicana ou pentecostal. Eu não sou católico, fui criado na igreja batista, mas me dou muito bem com o padre da igreja católica e gosto de frequentar a missa dele. Na minha opinião, a coisa mais importante é ter Jesus no coração. A religião é secundária. É muito importante também, mas Deus é um só.
P – Como era sua vida na Inglaterra antes de ser preso?
AS – Eu trabalhava já há 12 anos como comissário de bordo na British Airways. Eu fazia voos intercontinentais em Jumbos 747 ou 777. Quando viajava ficava fora vários dias. Retornava muito cansado. Tinha geralmente 2 ou 3 dias em casa para fazer minhas coisas, depois viajava novamente. Quem me conhece sabe que eu não tinha sábado, domingo, feriado, Natal, Ano Novo ou aniversário, porque eu trabalhava em voos escalados. Dependendo de onde eu viajava, eu comprava artigos para outras pessoas e cobrava um pouco a mais. Era como um segundo salário para mim, pois era um dos benefícios do meu trabalho. Minha vida não era de luxo. Eu pagava a prestação do meu apartamento, que era alta, mas dava para pagar. Tinha dívidas, mas devagar, devagar, eu estava pagando tudo muito direitinho.
P – Como você imagina que será sua vida quando sair da prisão?
AS – Como a minha família já sabe, eu decidi que quando esse pesadelo acabar eu retornarei de vez para o Brasil. Sinto muita falta de minha família e devo confessar que não aguento mais frio, quero calor. Sinto falta do calor humano do nosso povo, da nossa cultura. Estou também fazendo um curso superior a distância. Quero sair daqui com maior preparação acadêmica
P- Qual o seu sentimento em relação a isso tudo que está acontecendo com você?
AS – Hoje eu estou mais calmo com essa situação toda. Talvez seja difícil transmitir meus sentimentos aqui, mas Deus escreve certo por linhas tortas. Eu vou, com certeza, sair dessa situação como um ser humano melhor, mais forte e mais experiente.
Fonte: Nelson Rocha / Tribuna da Bahia